Samuel Pinheiro Guimarães [*]
Há um
clamor público, uma revolta de todas as classes da sociedade, contra as
revelações de corrupção.
Quando
terá começado a corrupção? Quem são os culpados? É um fenômeno exclusivamente
brasileiro ou do mundo subdesenvolvido ou humano em geral? A quem interessa?
Ocorre apenas no setor público? Será uma característica inata da sociedade
brasileira?
Os
incidentes de corrupção que a operação Lava Jato vêm desvendando e que vazam
para a imprensa, sem provas e a conta gotas, por quem deveria preservar o
sigilo das investigações e a reputação dos acusados (mas não culpados por que
não foram julgados) estariam relacionados com o financiamento de campanhas
eleitorais.
O sistema
de financiamento de campanhas eleitorais está vinculado à representação de
interesses econômicos no Legislativo e no Executivo. O caso do Judiciário é um
tema a parte, ainda que de grande interesse.
O
candidato Aécio Neves gastou em sua campanha eleitoral, de acordo com as
declarações ao TSE, cerca de 201 milhões de reais [€60,9 milhões]. A candidata
Dilma Rousseff gastou cerca de 318 milhões de reais [€96,4 milhões]. O custo
total das campanhas para presidente, governador, senador e deputado foi de
cinco mil milhões de reais [€1,5 mil milhões].
De onde
vieram esses recursos? Certamente (ou muito raramente) não vieram da fortuna
pessoal dos candidatos, mas sim de doações, principal ou quase exclusivamente,
de grandes empresas privadas.
O custo
das campanhas é em extremo elevado devido aos custos de produção e de
veiculação de programas de televisão, das viagens que se fazem necessárias devido
à extensão territorial do país, dos custos de material de propaganda e de sua
distribuição.
O
objetivo dos que defendem o financiamento privado das campanhas eleitorais está
vinculado à principal característica da sociedade brasileira que é a concentração
de renda e de riqueza.
A
concentração de renda é, em geral, estimada a partir dos rendimentos do
trabalho conforme declarados à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os
rendimentos do capital, isto é os lucros, os juros, os aluguéis, são
subdeclarados na PNAD e a Secretaria da Receita Federal não publica esses dados
de acordo com a sua distribuição por faixa da população, ainda que sem quebra
de privacidade dos declarantes do Imposto de Renda.
A
estimativa é de que os rendimentos do trabalho correspondam a cerca de 48% da
renda nacional.
O salário
mínimo é de 788 reais [€239], o salário médio do trabalhador brasileiro é
inferior a 2.300 reais [€697] por mês e 90% dos brasileiros ganham até cinco
salários mínimos por mês.
São 13,7
milhões de famílias que recebem o Bolsa Família. Isto significa que cerca de 50
milhões de brasileiros tem rendimento mensal inferior a 77 reais [€23,3]. Por
outro lado, há, no Brasil, cerca de 46 bilionários e 10.300 multimilionários,
estes com patrimônios pessoais superiores a 23 milhões de reais [€6,9 milhões].
Muitos
são os mecanismos de concentração de renda e de riqueza.
Entre
esses mecanismos estão às taxas de juros, o sistema tributário, os créditos do
Estado a empresas e o sistema de aluguéis.
Quanto
mais elevadas as taxas de juros "autorizadas" ou permitidas pelas
autoridades monetárias maior a transferência de riqueza de devedores, que são a
enorme maioria da população, para os credores privados, detentores do capital,
e do Estado para os seus credores.
O sistema
tributário pode ser regressivo ou progressivo. O sistema se diz regressivo
quando a maior parte dos impostos arrecadados provêm da maioria da população,
sem distinção de seu nível de renda (imposto sobre o consumo, por exemplo) e se
diz progressivo quando os indivíduos detentores de maior riqueza ou de mais
alto nível de renda pagam mais impostos mesmo em proporção a sua riqueza ou
renda. É fato que um sistema regressivo de tributação concentra renda e
riqueza. As isenções de impostos, as restituições e as desonerações para
empresas ou indivíduos acentuam a concentração de renda.
Os
créditos fornecidos pelo Estado privilegiam em geral as maiores empresas e,
portanto, seus proprietários que são os indivíduos mais ricos da sociedade.
A
leniência do Estado para com a evasão de tributos ou com seu não pagamento (por
exemplo, pela não criminalização da evasão, pelo parcelamento e perdão das
dívidas tributárias) também concentra renda e riqueza. São brasileiros os
proprietários de 530 bilhões de dólares depositados em paraísos fiscais.
A
concentração de renda e de riqueza em mãos de uma ínfima minoria da população
brasileira tem importantes efeitos sobre o sistema democrático e sobre os
episódios de corrupção.
Os
indivíduos detentores de riqueza e renda têm interesse em preservar os
mecanismos de concentração e interesse em que não surjam instrumentos legais
(leis ou programas) que desconcentrem riqueza e renda.
Ora, as
normas (as leis) que definem a estrutura e o mecanismo de riqueza, propriedade
e renda (legislação trabalhista, tributária, monetária, da propriedade rural e urbana,
etc.) são elaboradas no Legislativo, eventualmente no Executivo e cada vez mais
no Judiciário.
Em um
país de grande concentração de riqueza e renda, de elevado grau de urbanização,
de grande penetração dos meios de comunicação, de sistema democrático e
eleitoral relativamente livre de fraudes, seria natural que a enorme maioria da
população (que é pobre ou no máximo remediada) elegesse a maioria dos
representantes no Congresso, que deveriam ser como ela pobres e remediados e,
portanto, legisladores dispostos a redistribuir a riqueza e a renda ou pelo
menos a minorar os mecanismos de concentração.
Não é
isto o que ocorre.
A ínfima
minoria milionária e bilionária tem, assim, de procurar instrumentos para
influir no processo político para evitar esse tipo de legislação e de ação
redistributiva no Executivo. Essas, quando ocorrem, são taxadas de comunistas,
socialistas, nacionalistas, e hoje em dia de bolivarianas.
O primeiro
e mais importante desses instrumentos é o financiamento privado (empresarial)
das campanhas eleitorais.
O segundo
instrumento é o controle dos Partidos para que estes escolham como seus
candidatos indivíduos que sejam favoráveis à sua visão (isto é, daquela
minoria) da sociedade, ainda que não sejam eles mesmos, do ponto de vista
pessoal, detentores de riqueza e renda elevadas.
O terceiro
instrumento é o controle dos meios de comunicação para convencer a
população das deficiências do Estado, do caráter corrupto dos candidatos dos
Partidos e das políticas populares (isto é, daqueles comprometidos com
programas de reforma social que leva à desconcentração de riqueza e renda).
O quarto
instrumento é a campanha permanente dos meios de comunicação de
desmoralização da atividade política, do Estado e dos políticos para manter a maioria
do povo afastada da política. Uma das formas de manter o povo afastado da
política seria a aprovação do voto facultativo como se este fosse apenas um
direito e não um dever.
A
campanha pela reforma política deve se concentrar no tema central do financiamento
empresarial das campanhas, que é a verdadeira fonte de corrupção e de controle
oligárquico, não democrático, da sociedade por aqueles que concentram o poder
econômico e controlam os meios de comunicação.
Os
representantes das forças conservadoras no Congresso Nacional já se empenham
para votar o projeto que consagra o financiamento privado, isto é, empresarial,
das campanhas eleitorais.
A
consagração legal do financiamento privado consagrará o sistema fundamental de
corrupção do processo político que tem como objetivo impedir a desconcentração
de riqueza e renda que torna o Brasil um dos países mais injustos do mundo.
[*] Diplomata brasileiro.